A Ascensão do Futurista: por que o mercado trocou a agilidade pela antecipação?
A ascensão do futurista corporativo se explica em função de uma mudança mais profunda na forma como organizações e indivíduos lidam com o tempo, a incerteza e a tomada de decisão.
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Por Raquel Valença
Sócia no Studio Futural, Futures Fellow na Association of Professional Futurists (EUA) e Diretora de Projetos no Observatório Criativo
Faça um teste rápido no seu feed do LinkedIn. Se entre 2018 e 2022 vimos a explosão dos especialistas em agilidade e Agile Coaches, agora observamos um movimento diferente: designers, planejadores e profissionais de marketing estão se reposicionando para o campo do Foresight.
O aumento repentino de “estrategistas de futuro” ou profissionais que utilizam títulos como “Chief Future Officer” e “Especialista em Tendências” levanta uma questão provocativa: estaríamos diante do novo Agile Coach? Presenciamos uma inflação de títulos ou uma resposta genuína de um mercado com medo da irrelevância?
A Era da Hipermudança
A resposta possível é: o planejamento tradicional faliu. O surgimento deste perfil é um sintoma da incapacidade dos modelos antigos de lidar com a aceleração, a complexidade e as implicações éticas das transformações atuais.
Scott Smith, fundador da Changeist, define nosso período como a “Era da Hipermudança”, no qual a velocidade e a escala das transformações excedem a capacidade das instituições de reagir. Nesse cenário, empresas de todos os setores perceberam que a disrupção não é uma ameaça distante, mas uma realidade iminente. O medo de se tornar a próxima Kodak impulsiona a necessidade crítica de ter alguém olhando para a próxima curva.

O que faz (de verdade) um Futurista?
Ao contrário da caricatura popular, a essência da atividade deste profissional não é a adivinhação. O futurista corporativo dedica-se a criar visões de alta qualidade para informar decisões no presente. Eles trabalham sob a premissa de que, embora o futuro seja imprevisível, não estamos indefesos: ele pode ser antecipado, explorado e alterado.
Em um mundo inundado por big data e notícias falsas, a principal entrega não é apenas a coleta de informações (sensing), mas a capacidade de traduzir ruído em padrões acionáveis (sense-making). O futurista troca a certeza pela clareza. Ele se recusa a “prever”, focando na “preparação”, utilizando probabilidades para quantificar riscos e admitindo a ignorância inevitável.
Em um mundo de hipermudança, a maior vantagem competitiva talvez não seja adaptar-se rápido, mas aprender a antecipar de forma consciente, crítica e contínua
O novo perfil de competências
Mesmo que vagas com o título explícito de “Futurista” ainda sejam raras, plataformas como o LinkedIn mostram um aumento na demanda pelas habilidades que compõem o cerne dessa profissão. O mercado busca competências como:
- Análise de Tendências e Construção de Cenários:
Capacidade de mapear dinâmicas emergentes, interpretar vetores de mudança e estruturar múltiplos futuros possíveis como instrumentos de apoio à decisão, e não como previsões determinísticas. - Pensamento Sistêmico e Complexo:
Compreensão das interdependências entre variáveis sociais, tecnológicas, econômicas, ambientais e políticas, permitindo a leitura de efeitos de segunda e terceira ordem e a antecipação de impactos indiretos das decisões estratégicas. - Identificação de Sinais (Sensing):
Atividade realizada por profissionais de Foresight, pesquisadores de tendências e analistas estratégicos, dedicada à observação sistemática de sinais fracos e indícios de rupturas em diferentes domínios. Embora ferramentas de ciência de dados e monitoramento digital apoiem esse processo, a interpretação dos sinais exige leitura crítica, contextualização e julgamento humano especializado. - Tradução Estratégica e Sense-making:
Capacidade de transformar grandes volumes de informação, dados dispersos e ambiguidades em padrões compreensíveis, hipóteses estratégicas e narrativas orientadas à ação, conectando futuro, presente e decisão.
O Desafio da Inércia
Contudo, há um alerta importante. O maior obstáculo para a consolidação deste profissional não costuma ser a qualidade do insight gerado, mas a incapacidade da organização em digeri-lo.
Jeremy Gutsche, fundador do TrendHunter, aponta para o problema da inércia organizacional e da “dependência de caminho” (path dependency). Empresas de sucesso são estruturadas para repetir o que funcionou no passado. Como o insight futurista quase sempre desafia o status quo, líderes tendem a evitar riscos imediatos em prol de uma falsa segurança, caindo na armadilha da aversão à perda.

E você, está pensando como um futurista?
A ascensão do futurista corporativo não se explica apenas por novos cargos ou títulos sofisticados, mas por uma mudança mais profunda na forma como organizações e indivíduos lidam com o tempo, a incerteza e a tomada de decisão. Pensar como um futurista não é prever o amanhã, mas desenvolver a capacidade de questionar o presente, desconfiar das certezas e explorar sistematicamente os futuros possíveis antes que eles se imponham.
Isso exige abandonar a busca por respostas rápidas e investir em boas perguntas:
- Quais sinais estamos ignorando?
- Que suposições orientam nossas decisões hoje?
- Que modelo mental pode nos levar ao fracasso amanhã?
Mais do que dominar ferramentas, trata-se de cultivar uma postura intelectual que combina rigor analítico, imaginação estratégica e coragem para desafiar o status quo.
No fim, a questão central não é se todas as empresas terão um futurista no organograma, mas quantas estarão, de fato, preparadas para incorporar o pensamento de futuros como prática cotidiana de gestão. Em um mundo de hipermudança, a maior vantagem competitiva talvez não seja adaptar-se rápido, mas aprender a antecipar de forma consciente, crítica e contínua.
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