Napoleão teve vitórias improváveis ao imaginar duas ou três alternativas no campo de batalha. Mas quando ele confiou demais em sua estratégia, perdeu pra sempre seu império. E isso nos diz muito no mercado atual. 
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[Breaking Futures] Por que apostar em apenas um futuro pode custar sua Waterloo?

Napoleão teve vitórias improváveis ao imaginar duas ou três alternativas no campo de batalha. Mas quando ele confiou demais em sua estratégia, perdeu pra sempre seu império. E isso nos diz muito no mercado atual. 


Por Raquel Valença
Sócia no Studio Futural, Futures Fellow na Association of Professional Futurists (EUA) e Diretora de Projetos no Observatório Criativo

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Breaking Futures é uma coluna mensal do The Builders Paraná sobre inteligência de futuros, no plural, porque o amanhã nunca é único. Aqui, métodos, narrativas e provocações se encontram para apoiar líderes, empreendedores e ecossistemas na tarefa de decidir em meio à complexidade. A proposta é cultivar um mindset que vê o imprevisível não como ameaça, mas como terreno para imaginar e reinventar.
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Napoleão Bonaparte tinha um hábito curioso em campo de batalha: nunca acreditava que o inimigo estava apenas onde parecia estar. Para cada movimento adversário, ele imaginava duas ou três alternativas invisíveis. Essa forma de pensar lhe deu vitórias improváveis, mas também lhe custou caro quando, em Waterloo, confiou demais no que julgava certo e não preparou rotas alternativas. Isso serve de metáfora poderosa: perder não é falta de poder, mas excesso de confiança em um único cenário.

Troque o campo de guerra pelo mercado. Uma liderança de hoje pode estar conduzindo sua própria “batalha de Waterloo” sem perceber. O inimigo invisível não é uma tropa, mas uma startup obscura, um algoritmo anônimo ou um novo hábito de consumo. Foi assim com Jeff Bezos. Quando fundou a Amazon, muitos acreditavam que ela seria apenas uma livraria online, mas Bezos já pensava em futuros alternativos. E se os clientes quisessem comprar qualquer coisa pela internet? E se a Amazon pudesse ser uma infraestrutura global de comércio? O que parecia improvável para quase todos virou óbvio em poucos anos. Bezos não previu o futuro. Ele construiu opções para múltiplos futuros possíveis.

Esse é o ponto central. O futuro no singular é uma ilusão confortável. O que existem são futuros no plural – desejáveis, indesejáveis, plausíveis ou improváveis. Apostar em apenas um é uma roleta perigosa. Se acerta, ganha. Se erra, fecha as portas. Quem pensa em futuros, ganha margem de manobra, pode ajustar a rota antes do impacto e não é refém da surpresa.

O artista britânico Ernest Crofts retrata Napoleão como figura central na Campanha de Waterloo.
O artista britânico Ernest Crofts retrata Napoleão como figura central na Campanha de Waterloo.

E, sim, surpresas sempre chegam. A Dinamarca viveu isso com o Ozempic, criado para diabetes e transformado em fenômeno mundial pela perda de peso, projetando a Novo Nordisk e o país às manchetes. No auge da euforia, porém, surge o Mounjaro, da Eli Lilly, nos Estados Unidos. Uma única molécula capaz de competir de igual para igual ameaça desestabilizar uma narrativa que parecia sólida. O que soava como futuro garantido revelou-se apenas um entre vários possíveis – prova de que uma única surpresa pode deslocar uma organização, um setor ou um país inteiro.

O FUTURISTA ENTENDE QUE O TABULEIRO PODE MUDAR – E RÁPIDO

Pensar como um futurista é justamente preparar-se para isso. Não se trata de adivinhar qual molécula, qual startup ou qual tecnologia vai vencer. Trata-se de aceitar que sempre haverá alternativas e que o tabuleiro pode mudar rápido demais para quem apostou tudo em um único caminho.

Esse tipo de pensamento exige disciplina. Primeiro, observar sinais fracos, aquelas pequenas novidades que hoje parecem irrelevantes, mas podem se transformar nas avalanches de amanhã. Depois, treinar cenários rápidos, projetando para cada decisão uma versão otimista, outra pessimista e até a improvável, mas possível. Por fim, praticar o backcasting, escolhendo um futuro desejado e voltando ao presente para identificar os passos que precisam ser dados agora. Gostem ou não, foi assim que a Amazon deixou de ser apenas uma livraria e se tornou infraestrutura global. Já ignorar essa lógica de múltiplas possibilidades custou a Napoleão sua Waterloo. 

Empresas e ecossistemas que praticam essa imaginação estratégica ganham vantagem porque experimentam antes, criam resiliência em vários futuros possíveis e chegam mais preparados quando a mudança se acelera. 

Indivíduos que adotam essa mentalidade também ampliam suas chances: decidem carreira, investimentos e escolhas de vida com mais lucidez e menos improviso. Planejar envolve riscos, obviamente. Mas não planejar é abrir mão do tabuleiro inteiro e deixar que outros escolham por você qual futuro vai prevalecer.

O mais difícil, no entanto, não é a técnica. É a coragem de quebrar o paradigma da certeza no qual fomos condicionados desde sempre. 

Crescemos acreditando que líderes têm respostas definitivas, que decisões só valem quando amparadas por garantias e que previsibilidade é sinônimo de competência. Só que o mundo atual não premia certezas. Recompensa quem sabe habitar a incerteza sem paralisar. Reconhecer que não temos todas as respostas não é sinal de fraqueza, mas uma virtude estratégica. A verdadeira vantagem competitiva nasce justamente da habilidade de lidar com cenários, de navegar hipóteses e de decidir mesmo em terreno movediço.

Contrastando com as representações heroicas e gloriosas de Napoleão, Paul Delaroche retratou seu isolamento e impotência na abdicação forçada ao trono francês no Palácio de Fontainebleau em 4 de abril de 1814.
Contrastando com as representações heroicas e gloriosas de Napoleão, Paul Delaroche retratou seu isolamento e impotência na abdicação forçada ao trono francês no Palácio de Fontainebleau em 4 de abril de 1814.

Napoleão perdeu porque acreditou em apenas uma versão dos fatos. Bezos está vencendo porque tem imaginado futuros improváveis e investido neles antes de parecerem sensatos. Já a Dinamarca aprendeu que até um sucesso estrondoso pode ser desafiado por uma única surpresa vinda de outro lugar.

O amanhã não pertence a quem espera previsões, mas a quem suporta o desconforto da incerteza e age mesmo sem garantias. O futuro é território em disputa, sempre em transformação. Vence não quem acerta a previsão, mas quem transforma a dúvida em estratégia. Porque a certeza paralisa, mas a dúvida move. Quem aprende a conviver com cenários múltiplos não apenas sobrevive, mas encontra novas formas de prosperar. 

A questão é simples: você vai preparar alternativas, ou vai encarar sua própria Waterloo confiando demais em um único futuro?

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