O avanço do Paraná mostra que ecossistemas não nascem apenas de startups, mas por meio de políticas públicas consistentes, universidades conectadas e visão de longo prazo.

As estratégias (públicas e privadas) que fizeram o Paraná “escalar” no mapa nacional da inovação

O avanço do estado mostra que ecossistemas não nascem apenas de startups, mas por meio de políticas públicas consistentes, universidades conectadas e visão de longo prazo. / Foto: The Builders Paraná


Por Fabrício Umpierres, head editorial The Builders Paraná
Direto de Foz do Iguaçu (PR)

O Paraná vive um raro momento de convergência entre visão estratégica, continuidade de políticas públicas e maturidade institucional no cenário de tecnologia e inovação. Em uma década, o estado consolidou um ecossistema distribuído por todo o território, lastreado pela força das universidades, pela articulação entre governo e setor produtivo e pela criação de instrumentos de fomento e governança que resistem à troca de gestões. 

O resultado começa a aparecer nos indicadores: segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o Paraná subiu do 6º para o 3º lugar no ranking nacional de inovação — um salto que reflete o acúmulo de boas práticas e a integração dos seus territórios de conhecimento.

Esse avanço foi o pano de fundo do painel “Iniciativas de Inovação no Paraná: Avanço das Políticas Públicas em 10 anos”, realizado durante a 35ª Conferência Anprotec, que encerrou nesta quinta (16.10) em Foz do Iguaçu. O encontro reuniu gestores, reitores e lideranças de ambientes de inovação para discutir as políticas, programas e redes que vêm redefinindo o papel do estado no cenário nacional de ciência e tecnologia.

A FORÇA DAS UNIVERSIDADES E A ESTRATÉGIA DOS NAPIS

Para Luiz Márcio Spinosa, diretor de Ciência e Tecnologia da Fundação Araucária, o que diferencia o Paraná é o lastro científico e territorial. “Temos quatro universidades federais e cinco estaduais espalhadas pelo interior, o que nos permite descentralizar o desenvolvimento e criar inovação com impacto local”, afirmou. São 25 mil doutores em atividade — uma das maiores densidades do país — sustentando nove ecossistemas regionais de CT&I e mais de 1,4 mil startups mapeadas, número que pode chegar a três mil.

Um dos marcos dessa política é a criação dos NAPIs (Núcleos de Áreas de Pesquisa e Inovação), modelo inspirado em redes colaborativas europeias. Hoje são 47 núcleos ativos, reunindo cerca de 50 pesquisadores cada, articulando universidades, empresas e governos locais. “Os NAPIs são uma verdadeira revolução silenciosa. Ajudaram a construir um sistema de inovação que é, antes de tudo, distribuído e resiliente”, observou Spinosa.

INFRAESTRUTURA, STARTUPS E NOVOS HUBS

Além da rede científica, o Paraná investe em infraestrutura e conectividade: 17 cidades integram o anel principal de fibra óptica e outras nove já estão conectadas no interior. O estado também adquiriu supercomputadores e um simulador quântico, reforçando a base tecnológica para pesquisa avançada.

Programas como Centelha e Tecnova criam pontes entre universidades e o mercado, apoiando startups nas fases mais sensíveis do ciclo de vida — aquelas em que o capital de risco ainda não chega. Outro destaque é o HubX, iniciativa que conecta o poder público ao setor produtivo. O primeiro espaço, em Londrina, especializado em Inteligência Artificial, segue o modelo da Embrapii, mas com governança local e foco na redução da burocracia.

Spinosa, da Fundação Araucária: a "revolução silenciosa" dos NAPIs
Spinosa, diretor de CT&I da Fundação Araucária: a “revolução silenciosa” dos NAPIs

Somente em 2024, o Governo Estadual destinou mais de R$ 580 milhões a projetos estratégicos de ciência e inovação. Um pouco dessa diversidade pode ser vista no “Espaço Paraná”, onde iniciativas no Sul, Sudoeste, Centro, Norte e da Capital (de hubs a universidades) apresentaram seus projetos e produtos.

REDES REGIONAIS E LABORATÓRIOS

O professor Silvestre Labiak Junior, da UTFPR, destacou o papel da Separtec como articuladora da rede de ambientes de inovação do estado, que hoje inclui plataformas como a PID – Paraná Inova Digital e o curso GAPI, voltado à formação de gestores. “O Paraná aprendeu a fazer inovação em rede — uma teia de CPFs e CNPJs que aprende junto, erra junto e evolui junto”, resumiu.

Esse aprendizado aparece em diferentes territórios. O Iguassu Valley, por exemplo, reúne 18 universidades, 23 ambientes promotores e quatro parques tecnológicos (entre eles o Itaipu Parque Tecnológico e o Biopark), somando 324 startups e um PIB per capita de R$ 52,3 mil. O movimento se prepara para um novo ciclo com o pacto Iguassu Inova, que será formalizado neste mês.

No litoral, o Inova Litoral Hub, em Paranaguá, une a Unespar, a Fundação Grupo Boticário e a prefeitura local em um centro de empreendedorismo sustentável sediado na Casa Dacheux, marco histórico de fundação da cidade.

Mas é no sudoeste que está uma das mais emblemáticas histórias de inovação municipal do Paraná. Pato Branco, com menos de 100 mil habitantes, se apresenta como a “capital tecnológica” do estado e foi a primeira a criar uma secretaria municipal de inovação. O prefeito Géri Dutra, professor há mais de 30 anos, lembra que a cidade “aprendeu a colocar os atores na mesa e fazer inovação aberta de verdade”. Com 365 empresas de base tecnológica, 20% do PIB local ligado à tecnologia e um Fundo Municipal de Inovação, Pato Branco criou o primeiro sandbox regulatório do setor eletroeletrônico e promove a feira Inventum, um dos principais eventos de ciência e tecnologia do interior.

Entre os exemplos locais estão a Infant ID, que desenvolveu tecnologia de identificação biométrica de recém-nascidos já adotada em 77 maternidades do Paraná e no Uruguai, e a Startup Cash, que criou um sistema de lixo inteligente com recompensas para quem separa resíduos corretamente.

CIÊNCIA, MERCADO E O DESAFIO DA VELOCIDADE

Para o reitor da Unioeste, Alexandre Webber, o desafio agora é acelerar a transição da pesquisa para o mercado. “Temos 153 registros de propriedade intelectual, mas as patentes precisam sair da prateleira. É preciso ser ágil para vencer as barreiras burocráticas”, afirmou. A universidade criou a Unioeste Inova, agência responsável pela gestão da propriedade intelectual e pelo incentivo ao empreendedorismo acadêmico.

Webber lembrou que o estado investe 2% do PIB em ciência e tecnologia, o equivalente a R$ 15 bilhões, e que o faturamento das empresas de base tecnológica cresceu 10% no último ano.

NOSSA ANÁLISE

O avanço do Paraná é um exemplo raro de como planejamento e continuidade institucional podem criar um ambiente fértil para a inovação. O que se vê hoje é a consolidação de uma inteligência territorial, em que universidades, prefeituras e empresas operam em rede e compartilham objetivos de longo prazo — algo incomum no contexto brasileiro, ainda marcado por políticas descontínuas.

Mas há, claro, desafios, como transformar ciência em valor econômico, conectar os polos regionais em uma narrativa unificada e manter a agilidade em meio à estrutura estatal. O que o Paraná mostra, porém, é que a inovação pode ser uma política de Estado — e não apenas de governo.

E é justamente nessa capacidade de articulação entre território, conhecimento e propósito que o estado encontra sua vantagem competitiva no novo mapa da inovação brasileira.

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